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Relato de uma brasileira convertida ao Islamismo


Foto: Acervo pessoal.

Maíra Peixoto de Andrade, 27 anos, nasceu na Bahia, mas viveu sua infância e adolescência ora na cidade de São Paulo ora em Itabuna no interior baiano. Ela nos conta sua história a partir de sua conversão, destacando as dificuldades enfrentadas por muçulmanos diariamente.


De acordo com o último levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de fiéis da igreja católica no Brasil no ano de 2010 correspondia a 123 milhões. Maíra Peixoto de Andrade, nascida na Bahia, fazia parte desse grupo até que no dia 25 de Abril de 2010 se converteu ao Islã passando assim a integrar uma minoria crescente no Brasil hoje. Segundo o censo 2010 (IBGE), os estados brasileiros com maior concentração de adeptos ao Islã correspondem a São Paulo (SP), Paraná (PR), Rio Grande do Sul (RS), Rio de Janeiro (RJ) e Minas Gerais (MG). É exatamente na cidade de São Paulo-SP que irá se desenrolar a trajetória da protagonista dessa história.

Abordar esse tema requer falar sobre preconceito. Infelizmente, ainda hoje se faz necessária a discussão a respeito do assunto. A ignorância e o conhecimento parecem ser dois elementos chave quando se fala de preconceito. Sendo o primeiro o precursor e o segundo a “cura”. E quando se trata da representação dos muçulmanos na mídia, seja esta nacional ou internacional, geralmente ocorre de forma a valorizar estereótipos.

Há uma generalização, principalmente em dois sentidos. É frequente a confusão entre os termos “árabe” e “muçulmano”, muitas vezes utilizados como sinônimos. Por isso, é importante entender que o primeiro se refere à etnia, enquanto o segundo diz respeito ao adepto a religião islâmica. Tudo isso, combinado ao fato de que quase todas as notícias envolvendo o mundo árabe são relacionadas a atos terroristas, nos leva a crer que devido a ações praticadas por grupos específicos, toda a religião tem sua imagem manchada e sua cultura ofuscada.

O modo negativo como a cultura islâmica é apresentada pela imprensa acaba provocando medo naqueles que não conhecem, de fato, a religião. O que ocasiona um isolamento dessas pessoas adeptas ao islamismo. Uma sensação de não pertencimento que pode, inclusive, contribuir para a identificação de jovens com grupos terroristas.

Principalmente no Brasil, há muitos desafios diários que precisam ser superados pelos muçulmanos. O preconceito sofrido por essas pessoas, que vai desde comentários sussurrados ao andar pelas ruas até as dificuldades encontradas quando se trata de emprego, é um deles.

Hoje, Maíra vive em Londres e conta como se deu seu processo de conversão ao islamismo. E essa entrevista vai mostrar os obstáculos enfrentados por Maíra, que representa os adeptos dessa religião, além das diferenças que existem entre a vida dos muçulmanos na Europa e no Brasil.


EXTRA!ordinário: Maíra, o que fez você se interessar pela cultura islâmica?


MAÍRA PEIXOTO DE ANDRADE: No início de 2009, eu cursava moda na antiga Universidade Bandeirante de São Paulo (UNIBAN), hoje conhecida como Centro Universitário Anhanguera de São Paulo. Depois que terminasse a faculdade, eu queria sair do Brasil para estudar. Então, decidi participar de alguns bate papos online com pessoas, principalmente, do Reino Unido, para que eu pudesse praticar o inglês. Eu acabei fazendo alguns amigos e entre eles havia um rapaz curdo, nascido na Turquia. Nós conversamos durante quase um ano e durante esse tempo ele me falou um pouco sobre a religião dele. Eu não sabia nada a respeito do Islã, mas tinha bastante preconceito contra muçulmanos na época. Fiquei curiosa porque era uma coisa muito diferente. Além disso, como eu estava fazendo faculdade de moda na época, queria aprender um pouco mais sobre a vestimenta da muçulmana. O motivo pelo qual elas se vestiam daquela forma. Então, eu fui estudando e descobri que muitas das coisas que eu achava que sabia, na verdade não eram parte da realidade.


EXTRA!ordinário: Você sente que na maioria das vezes, os muçulmanos são retratados de forma estereotipada tanto pela mídia brasileira quanto pela internacional?


MAÍRA: Sem dúvida. Existe uma má representação dos muçulmanos e do Islã na mídia que chega a ser absurda. São 1.6 bilhões de muçulmanos no mundo. O número de pessoas que fazem parte de grupos terroristas por motivos absolutamente políticos não chega a 0.0001 %. Essas pessoas não representam a religião do Islã e infelizmente existe uma falta de proporção quando se fala dos muçulmanos na mídia. Isso causa um medo muito grande nas pessoas que não conhecem e não entendem o que é a religião. E isso é um problema sério, porque isso torna a vida dos muçulmanos muito difícil. Principalmente aqueles que não só imigraram para o ocidente, mas que nasceram no ocidente como os convertidos ou os filhos de imigrantes. Quanto mais esses jovens muçulmanos vivendo no ocidente se sentem marginalizados e excluídos da sociedade em que vivem, maiores são as chances de que se juntem a grupos terroristas. Esses grupos usam esse sentimento de exclusão como forma de dizer: “Você não pode contar com seu governo ou com seus vizinhos porque eles têm medo de você, mas nós estamos aqui.”


EXTRA!ordinário:Você já enfrentou dificuldades no ambiente de trabalho por conta de desrespeito a religião e/ou seus costumes?


MAÍRA: Sim. No Brasil, eu já fui proibida de usar o hijab (véu utilizado pelas mulheres adeptas ao Islã) no meu emprego uma vez. Quando eu comecei a trabalhar nesse lugar, não usava o véu. Mas na minha entrevista, eu disse que tinha intenção de cobrir o cabelo e mesmo assim foi absolutamente vetado pela diretoria de Recursos Humanos (RH). Então, foi difícil para mim porque era uma coisa que eu queria, mas infelizmente isso acontece muito. Nessa mesma empresa, uma vez, me fizeram um cartão de aniversário e atrás do cartão eles colaram uma foto de um gato com uma bomba falsa amarrada nele. Eles acharam que era engraçado me chamar de mulher bomba no dia do meu aniversário. Aqui em Londres, já fui chamada de louca pela minha chefe na frente dos meus colegas de trabalho porque estava fazendo jejum de ramadã. Ela achou que era engraçado me desrespeitar dessa forma na frente dos meus colegas. Essas coisas acontecem bastante. Algumas vezes você finge que achou engraçado e ri para evitar problemas. Mas realmente é triste que algumas pessoas achem que estão no direito de fazer brincadeiras que não pertencem ao ambiente profissional.


EXTRA!ordinário: Você já foi vítima de agressão seja física ou verbal por conta da religião?


MAÍRA: Física não. Mas verbal, assim, a maioria das pessoas não fala diretamente comigo, mas você escuta as pessoas comentando. Já ouvi alguns dizendo que eu era esposa do Bin Laden, mandando eu voltar para o Iraque ou Afeganistão. O que acontece muito no Brasil é que as pessoas acham que nós não somos brasileiros, então acreditam que a gente não entende o que elas dizem.


EXTRA!ordinário: Como alguém que saiu do Brasil para viver no exterior, você poderia descrever a diferença como a comunidade islâmica é tratada nesses dois ambientes?


MAÍRA: A vida do muçulmano hoje na Europa é muito mais fácil. Ele está muito mais integrado do que no Brasil. Por exemplo, no Brasil, uma muçulmana teria muita dificuldade para conseguir um emprego se ela estivesse usando o véu. O que é um absurdo e aqui na Europa não há nenhum problema em relação a isso. Claro que é muito mais difícil para um jovem muçulmano seguir uma carreira do que um jovem cristão, mas ainda assim é muito melhor comparado com a situação no Brasil. O que acontece é que o Brasil ainda está engatinhando quando se trata de integração dos muçulmanos, porque a conversão de brasileiros ainda é uma coisa muito recente. Só nos últimos cinco anos é que houve uma explosão de conversão de brasileiros. Então, vai levar algum tempo ainda para o Brasil chegar no nível da Europa.


Por Trás do Blog

Nós, da Disciplina Gêneros Jornalísticos 2015.2, sedentos em produzir e dispostos a ouvir e sentir, nos propusemos a focar nossas lentes no dia a dia, no ordinário, naquilo que passa despercebido por muitos, e que pode virar uma boa história carregada de verdades, humanidade e sensibilidade. Convidamos você a nos acompanhar nessa experiência de ler as entrelinhas do dia a dia, porque com certeza ali encontraremos o extraordinário!

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