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O balão azul

Por Afonso Ribas

       São duas horas da tarde. Desde que acordei, ainda não sai de casa nem sequer pra ir à padaria comprar o pão. Meu café da manhã, na verdade, foi um arroz acompanhado de dois ovos fritos e uma salada. Acordar onze horas da manhã é maravilhoso, mas se manter bem alimentado quando se faz isso não é uma tarefa fácil de cumprir.

Dez minutos já se passaram enquanto penteava o meu cabelo, borrifava um perfume barato em meu pescoço e passava creme em meus braços. O meu curso de inglês se inicia às catorze e meia. Só quando me lembro disso é que corro para o ponto de ônibus, que, pra minha sorte, fica há uns dez passos de minha casa.

       O dia está ensolarado e, no asfalto que cobre a avenida, que segue em direção ao centro, o movimento de carros é intenso. Na esquina do batalhão, que fica na rua de cima, um grupo de soldados da Polícia Militar parecem contar piadas, pois riem tão alto que seria possível ouvir de dentro do meu quarto. Na faixa de ciclovia, homens, em sua maioria, desfilam em direções opostas. O ponto de ônibus, por sua vez, está quase vazio. Apenas uma mulher e uma criança, aparentemente seu filho, fazem-me companhia.

       A sensação que tenho ao olhar para o menino, que parece ter quatro anos, é de tristeza. Sentado, ele olha para o chão. As pernas balançam inquietamente e, ao observar com mais atenção, vejo que os contornos de sua boca correspondem à expressão de alguém que acabou de chorar. Fico curioso, mas sinto receio de puxar uma conversa e tentar fazê-lo sorrir. A mulher, apesar de segurar a sua mão, não parece se preocupar.

      Decido me sentar. No momento em que faço isso, percebo que mais algumas pessoas chegam ao ponto. Duas delas são senhoras da melhor idade, que logo se acomodam. As demais, um rapaz e uma moça, caminham de mãos dadas e param ao lado do assento. Eles conversam animadamente, sorriem e trocam selinhos.

       De repente, tudo que está ao meu redor deixa de ter importância. Na mão esquerda da garota, o objeto que ela segura me chama atenção de forma inesperada. Um balão. O formato oval que o delimita é terminado em um nó, acompanhado por uma pequena linha cortada, pela qual ela o prende ao dedo. Sua cor é um azul intenso, que me faz lembrar a água escura do mar. Não sei ao certo o porquê, mas, observar aquela “bexiga” me faz pensar no garoto, que permanecia cabisbaixo.

       Os risos intensos do casal de namorados fazem meus pensamentos se afastarem. Vejo que eles estão falando do balão azul. A menina, em tom de desdenho, pergunta para o garoto: “Pra quê você me deu esse troço mesmo? Parece criança carregando bexiga de festa de aniversário. E o engraçado é que você pega e dá pra mim, pra quê, eu não sei”. Sarcasticamente, ele retruca: “Como assim, eu peguei com maior carinho e você não ta nem aí, sua chata”. Os dois riem fervorosamente. “Espera aí que eu vou estourar essa zorra, já que não serve pra nada”, o rapaz diz, brincando e tentando agarrar o objeto da mão de sua namorada.

       É quando o rapaz finalmente agarra o balão que o leve grito de um “NÃO!” interrompe a situação. Imediatamente, o casal fica paralisado, como em uma pausa de uma cena de filme. Então, gentilmente, uma das senhoras pede o balão ao casal, que o entrega de boa vontade. Após isso, a senhora toca levemente com a mão na cabeça do garotinho sentado ao seu lado, que se vira pra ela. “Ei meu amor, pegue aqui vá”, a senhora diz.

       O menino observa o balão e a expressão triste que carregava, subitamente, parece sumir. Os olhos ganham um brilho inocente. Um sorriso largo surge em seu rosto. Nesse momento, meu ônibus chega e entro nele também sorrindo, feliz pelo garoto e feliz por ter ganhado uma boa história para contar no curso de inglês. 

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