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Ensaio de uma redação

Por Yarle Ramalho

     Escreve. Apaga. Edita. Copia. Cola. Grita. Chora. Apaga. Escreve novamente. Discute. Sorri. Apaga mais um pouco. Olha para cima e pensa. Caminha de um lado para o outro da sala fria e clara, em busca de alguma inspiração. Mais um dia de trabalho e, dessa vez, um daqueles dias bem corridos. O silêncio? Nunca houve desse negócio de silêncio por aqui, nem mesmo quando chega o fim de expediente, pois os telefonemas são intensos, insistentes.

 

     A diretora-chefe parece estar uma pilha hoje. Pelo que conheço dela, com certeza a noite passada não foi das melhores. Pelo seu tom de voz, eu diria que começou com algum atraso de seu marido, que tinha combinado de buscá-la após sua aula de dança de salão, no centro da cidade. Após isso, para amenizar a situação, ele propôs um jantar romântico, mas tudo não passou de uma rodada de desentendimentos. Ele começou a falar sobre seu dia e, sem perceber, acabou falando algo que comprometeu o motivo de seu atraso, ou seja, briga na certa. Percebo tudo isso apenas observando as gesticulações da diretora-chefe. Mas, em poucos minutos, a secretária traz uma garrafa de café e as coisas começam a andar tranquilamente. Calmaria. Escreve. Conversa. Olha para tela do computador. O ambiente agora com o clima mais aconchegante. Silêncio? Nunca houve desse negócio por aqui.

 

    Ao lado esquerdo da sala, percebo uma colega me observando. Pelo que conheço de sua pessoa, com certeza vai me esculhambar no relatório semestral. Só porque fiquei responsável pelo monitoramento de produções, ela deve pensar que não faço nada por aqui. Como minha ousadia às vezes costuma ser mais ágil que minha cautela, começo a olhar diretamente a ela. Aquele olhar que, simbolicamente, diz “você tem trabalho a fazer, não é mesmo?”. Ela, mesmo com aquela cara de sono infindável, vira sua cadeira e começa a trabalhar – pelo menos é o que parece. Agora os telefones berram. Algo de muito relevante está acontecendo. Alguém importante foi preso, um incêndio destruiu algum daqueles edifícios enormes da Av. Luizão, a presidente da república foi alvo de seqüestro... Gritos. Apaga. Apaga. Apaga. Escreve. Chora. Caminha de um lado para o outro do espaço vastamente quente. Escreve um pouco. O silêncio? Nunca houve desse negócio por aqui...

 

     Se antes eram duas xícaras e meia de café, agora estão sendo cinco – a cada 30 minutos. A cada xícara de café, 2 cigarros Vila Rica, aquele que o cheiro é tão agonizante que parece um animal morto sendo queimado. A diretora-chefe agora só grita. Ninguém dá importância ao que ela fala e isso só piora a situação. Com uma espécie de microfone de bolso, ela projeta sua voz que, antes era apenas de uma mulher estressada, agora é uma mulher duplamente furiosa. Todos se assustam com o ocorrido. Olhares para frente. Último gole de café. Mão na boca, como quem se assusta instintivamente. Último gole de café. Rói unhas. Silêncio! Silêncio? Silencio... tudo indica que estou precisado de trabalhar esse tal silêncio em mim.

 

     Agora sem telefonemas, sem gritarias, sem escritas, sem choros. Todos presentes naquele ambiente olham fixamente à frente. Uma mulher alta, cabelo crespo e de semblante rigoroso está congelada ao lado esquerdo de um quadro negro. Se bom observador sou, contei seis segundos antes dela se pronunciar. Seis longos segundos que, além de aguardar quaisquer reações daquela mulher, viajei fortemente no silêncio que reinava naquele ambiente. Tudo pareceu programado. Nenhum telefonema, nenhuma cochicho, nenhum barulho de caneta caindo no chão, nem mesmo o ar condicionado emitia som. Após os seis segundos, ela olha para todos presentes naquela sala, levanta uma das sobrancelhas e diz:

 

- Ok pessoal, por hoje é só. Na próxima semana quero todos e todas vestidos formalmente para ensaiarmos a rotina de âncoras televisivos. Priorizem as cores mais neutras para as roupas, os penteados mais simples e pratiquem aquele exercício de dicção que estudamos no início do semestre. Até o término dessa semana, publicarei no nosso portal de avaliação a nota de vocês desse nosso ensaio de hoje. Bom dia!

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