top of page

SEGREDOS DE UM LUGAR

Por Valéria Santos
 

No lugar onde nasci não tem shopping, lanhouse, video game, parques e nem qualquer outro desses brinquedos tecnológicos. Não tem celular, notebook ou TV à cabo. Ninguém anda de carro ou moto. Lá tem cavalo, carro de boi e gente que faz rezas e conta histórias. Digo isso porque muitos desconhecem esse mundo fantástico que existe nos pequenos povoados dos arredores do município de Vitória da Conquista.

Ainda moro nesse lugar e carrego vivas todas as lembranças que ele me traz como se fossem reais dentro de mim: o cantar de todos os galos da vizinhança às 4 da manhã, o cheiro do café, a fumaça que sai da chaminé do vizinho, o barulho dos galões de leite lá no curral, o ruído dos carros de bois e o pequeno rádio ligado. Um lugar onde é comum andar descalço e passar em todas as casas para tomar licor no dia de São João.

Quando eu era criança, eu passava debaixo de uma cerca de arame farpado, todos os dias, no caminho para a escola. Sempre naquele mesmo horário, às 8 horas da manhã, eu avistava uma senhora muito simpática que, de longe, falava em voz alta e me contava sobre os fatos acontecidos desde o amanhecer – já que ela acordava às três horas da manhã. Com um tom de preocupação, ela falava sobre seu fogão que estava sem lenha, sobre o rosário desaparecido de sua falecida mãe e sobre as muitas folhas que ela vivia a catar em seu quintal. Mas havia algo que ela nunca deixava de dizer: sobre sua música preferida, que relembrava o grande amor que viveu em sua mocidade e sobre os bailes que aconteciam após as rezas de Santo Antônio.

O nome da música era “Boneca Cobiçada”, de Milionário e José Rico. Ela ouvia e sonhava ser conduzida numa dança pelo belo homem por quem um dia se apaixonou. Já tinha idade avançada, era solteira e não tinha filhos. O silêncio de seu quintal era quebrado por seus versos de saudade. Usava um lenço na cabeça, vestido florido e pés descalços. Em seu rosto, havia marcas do tempo e um olhar profundo, que parecia pedir socorro e que demostrava uma imensa saudade. Saudade do que viveu, saudade de quem já se foi , saudade de um tempo e de um lugar.

bottom of page