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Ser menina

Por Jamile Zamilute

Voltando para casa após a faculdade, desço no terminal Lauro de Freitas. Carros e mais carros avançam em uma fila ansiosa, espero o sinal fechar para atravessar a rua movimentada de meio dia como sempre faço.

Ouço buzinadas insistentes, seguidas de um “entra aqui que eu te levo!” enquanto atravesso a rua. Olho. Não consigo identificar o rapaz dentro do carro estacionado no outro lado. Continuo a caminhar, mas as buzinadas não cessam. Apresso o passo até não conseguir mais enxergar o carro.

Chego em casa e paro pra pensar no que aconteceu. O medo diante o assédio, a falta de atitude. Penso: eu poderia pelo menos ter mandado o rapaz ir se ferrar, me sentiria bem mais leve se tivesse feito isso, mas não fiz.

Vou almoçar com meus avós e primos e esqueço um pouco o que aconteceu. Quando terminamos, vou para a cozinha com minhas primas arrumar as coisas. Os meninos continuaram na sala, não se levantaram para ajudar, nunca levantam, mas além de mim, ninguém vê problema nisso.

Minha prima se casa hoje. Já à noite, começo a procurar algo para vestir e ouço os gritos do outro quarto “Vê se coloca um vestido”, “põe um salto, fica mais bonita com essa roupa”, “passa maquiagem só hoje, você fica tão melhor quando se maquia”. Eu odeio vestido, odeio usar salto e odeio maquiagem, mas não me opus a isso, não queria estar diferente das outras mulheres.

Em apenas um dia eu fui assediada, objetificada e intimidada. Essa não é só uma realidade minha, assim é a vida de várias outras mulheres. A imposição da sociedade em sermos submissas é constante, e enfrentar isso se configura numa luta especialmente porque nossa voz não é ouvida.

Considero-me uma mulher forte que a duras penas aprendi a me defender sozinha e a defender outras semelhantes, mas ainda não é o suficiente. Minha desconstrução é diária e eterna.

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